19/03/2011 - Luiz Augusto Casulari *
Esse efeito é muito fraco, mas observou-se que tinha ações de reduzir o apetite e, principalmente, causar saciedade. Por isso, ela é usada há muitos anos como tratamento adjuvante da obesidade, em combinação com dieta e exercício físico. Teve aprovação da U.S. Food and Drug Administration (FDA), desde novembro de 1997, para ser usada em obesos com índice de massa corporal maior que 30 kg/m2.Varias ações benéficas foram associadas ao uso da droga, tais como redução da resistência à insulina, melhora do metabolismo da glicose e melhora do quadro de dislipidemia. Contudo, esses efeitos são muito mais devidos à perda de peso do que de uma ação intrínseca sua. Várias investigações mostraram efeitos benéficos cardiovasculares em doentes com diabetes melito ou não.
A sibutramina exerce um efeito simpaticomimético, e várias publicações descreveram a associação de seu uso com hipertensão arterial, taquicardia, arritmias e infarto do miocárdio. Para esclarecer isso, foi realizado o estudo SCOUT (do inglês, sibutramine cardiovascular and diabetes outcome study). Foi um estudo aleatorizado, duplo-cego, controlado por placebo, que se desenvolveu de fevereiro de 2003 a março de 2009. É muito importante lembrar que esse tipo de estudo é um dos mais confiáveis para avaliar a ação de algum medicamento. Esse estudo multicêntrico, foi realizado na Europa, Austrália e América Latina incluindo, também, o Brasil. Os doentes foram separados em dois grupos: um recebeu a sibutramina 10 mg por dia e, se necessário, caso não tivesse perda de peso, aumentou-se para 15 mg; o outro grupo recebeu placebo. Após sessenta meses de acompanhamento, em média três anos e cinco meses, observou-se perda de peso muito pequena (2,5%) no grupo em uso de sibutramina em relação ao placebo. Contudo, em relação ao uso de placebo, a sibutramina ocasionou aumento de 16% do risco de eventos cardiovasculares como ataque cardíaco e acidente vascular cerebral não fatais, e necessidade de reanimação após parada cardíaca e morte.
Em janeiro de 2010, a European Medicines Agency (EMA) recomendou a suspensão da autorização para a venda da sibutramina em toda a comunidade européia. Essa decisão teve como base o estudo SCOUT, no qual o pequeno benefício no controle de peso não justificava o grande risco de eventos cardiovasculares graves.
No primeiro semestre de 2010, a FDA emitiu dois comunicados que alertaram sobre a necessidade de cuidados complementares na prescrição e no acompanhamento do doente que fazia uso de sibutramina, mais ou menos como foi feito pela ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária mais recentemente aqui no Brasil.
Em setembro do mesmo ano, a FDA promoveu um painel consultivo, que revisou os resultados do estudo SCOUT e, apesar de não ser por unanimidade, chegou-se à mesma conclusão da sua congênere européia de que os efeitos benéficos modestos não justificam os riscos cardiovasculares. Assim, o Laboratório Abbott, aceitando os argumentos da FDA, retirou do mercado americano a sibutramina em outubro de 2010.
A Anvisa, em atenção àquilo que foi decidido por duas das mais importantes agências reguladoras do mundo, também desencadeou o processo de consulta sobre a permanência de anorexígenos no mercadobrasileiro, incluindo-se a sibutramina. Em consonância com suas congêneres, está disposta a banir o uso desses medicamentos do território nacional.
Isso desencadeou discussão acalorada de especialistas, muitos deles em defesa da sibutramina, mas com a atitude imprópria de desmoralizar um estudo que teve o respaldo de duas agências importantes. Nessa discussão, não há preocupação de apresentar dados científicos consistentes que justifiquem a manutenção do medicamento. Nenhum deles fez qualquer pesquisa original importante sobre o argumento. Devemos lembrar que isso ocorreu no Brasil quando da discussão sobre outros dois medicamentos: o rimonabant e a rosiglitazona. Eles foram defendidos por várias lideranças médicas, às vezes até de maneira patética, mas foram banidos independentemente das suas defesas.
Movidos por conflitos de interesses, confessados ou não, sentem-se no dever de defender a indústria, em detrimento da expectativa do doente e da credibilidade dos outros especialistas que não concordam com essa promiscuidade. Assim, espera-se que a Anvisa exerça sua função de defender o doente brasileiro, como o fazem a EMA na Europa e a FDA nos Estados Unidos, e proíba sua venda no Brasil.
* Luiz Augusto Casulari orientador dos programas de pós-graduação em Ciências da Saúde e Ciências Médicas da Universidade de Brasília – UNB, médico do Serviço de Endocrinologia do Hospital Universitário de Brasília é doutor em Endocrinologia e Metabologia pela Universidade de Milão e membro associado do Grupo de Estudos de Comércio Exterior do Unifieo – Geceu.
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