UM OLHAR SOBRE IRECÊ: AÇÃO DIALÓGICA DA LINGUAGEM
Robério Pereira Barreto*
Se as portas da percepção fossem límpidas, tudo apareceria ao ser humano tal como é: infinito. William Blake
Resumo: A vida, o cotidiano as artes e as ciências na perspectiva da ação dialógica não nos permitem ver que as fronteiras entre ambas são difusas, visto que o uso criativo de tecnologias no contexto contemporâneo se apresenta em “um território entrecruzado de complexas camadas genealógicas: a sensibilidade da arte, a objetividade da ciência, a complexidade das tecnologias. Tentar entender esse novo ambiente social relacionado aos efeitos das tecnologias e das artes no contexto educativo e nas nossas vidas nos leva à consciência de que a presença do virtual, da interatividade e criatividade na sociedade contemporaneidade, torna-se as interfaces em que os profissionais da educação e linguagens artísticas devem atuar no ponto de vista de se levar os estudantes uma compreensão do lugar da arte na vida individual e coletiva.
Palavras-chave: Arte, Linguagem, Ação dialógica
Introdução
Este texto parte da premissa de que a arte é um processo no qual os indivíduos se situam e deixam vir à tona seus sentimentos e concepções de si e dos outros que, como ele, divide sensações e angústias e, a partir disso se constituem seres socialmente pro ativos.
Com base nisso, buscar-se fazer uma relação entre o aporte da teoria contemporânea (Jameson, 2004); (Hutcheon, 1991); (Connor, 1996); (Santaella, 2001); Bakhtin (2000) sobre o objeto estético-discursivo, tendo na semiótica ancoragem conceitual na medida em que serão analisados textos (escultura, fotografia, arte digital, etc.) apresentados na exposição Um olhar sobre Irecê, realizada pelos estudantes do quinto semestre do curso de Pedagogia da Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – DCHT – Campus XVI – Irecê – BA. A referida mostra foi dividida por temáticas por meio das quais foi possível fazer várias inferências. São elas: Cheiros, sabores e cores; Além do cotidiano, Cuscuz nosso de cada dia; Cores e Encantos; Contrastes; Gastronomia é Arte e Inter: venção/ação.
Com efeito, numa perspectiva dialógica procura-se discorrer sobre o “olhar” dos artistas que, voltados para suas artes captaram em imagens, cores e sabores quase que numa ação sinestésica a essência do cotidiano da cidade, pondo em destaques as estéticas que, dialogicamente, convivem no dia-a-dia por uma desventura da contemporaneidade; o homem urbano constantemente na correria não aprecia as artes da natureza (flores desabrochando em meio ao cimento) e as intervenções humanas nos espaços públicos por meio de diálogos intertextuais (uso de processos sócio-técnicos) na constituição de novas imagens e releituras do fazer habitual.
Diante disso vislumbra-se a construção de inferências a respeito de cada objeto-temática proposta na exposição artística em que arquitetura e interfaces do corpo, mente e mundo se enlaçam em diálogos com o cotidiano em direção de práticas artísticas contemporâneas basiladas na subjetividade que particulariza o ser.
A linguagem da vida e da arte como interfaces da/para educação
A vida, o cotidiano as artes e as ciências na perspectiva da ação dialógica não nos permitem ver que as fronteiras entre ambas são difusas, visto que o uso criativo de tecnologias no contexto contemporâneo se apresenta em
um território entrecruzado de complexas camadas genealógicas: a sensibilidade da arte, a objetividade da ciência, a complexidade das tecnologias. A criatividade de artistas e cientistas configura homem uma grande comunidade que, ao lado de sociedades científicas, instituições e centros de pesquisas contemporâneos, está engajada na busca de explorar características próprias de nosso cotidiano tecnologizado. (DOMINGUES, 2003, p.11).
Sabe-se que a relação entre homem, arte, vida e tecnologias é, ante de mais nada “revolução” que, marcada pelo social é propiciada pelos sentidos individuais que cada sujeito desenvolve a partir de suas referências e contato com lugar que se interpõe entre cada uma dessas categorias, o homem e a realidade. Tentar entender esse novo ambiente social relacionado aos efeitos das tecnologias e das artes no contexto educativo e nas nossas vidas nos leva à consciência de que a presença do virtual, da interatividade e criatividade na sociedade contemporaneidade torna-se as interfaces em que os profissionais da educação e linguagens artísticas devem atuar na perspectiva de se levar os estudantes uma compreensão do lugar da arte na vida individual e coletiva.
Para Domingues (2003) essa questão ocorre devido a outros modos de subjetivação que, em ações contínuas eliminam a noção de território, promovendo a inclusão social e abreviando o entendimento de diversidade cultural. Pode-se dizer ainda que esse quesito foi amplamente atendido pelas temáticas propostas na exposição Um olhar sobre Irecê na qual foram ofertadas aos espectadores múltiplas leituras dos signos que, de maneira instigante convida o leito a se embrenhar no mundo fascinante da relação arte, ciência e tecnologia.
[...] o homem contemporâneo se enriquece com os processos cognitivos experimentados nas memórias [...] de computadores embute na vida das pessoas leis matemáticas e físicas, mistura suas possibilidades às das ciências da vida com sofisticadas tecnologias ligadas à biologia modifica as comunicações e a educação. De forma muito particular, a arte com os sistemas artificiais numéricos explora campos de atividades que permitem a ampliação do campo sensível. (DOMINGUES, 2003, p.14).
Segundo Koch (2000), no plano da ação dialógica tratado acima, registra-se que na mostra em discussão foi premente a idéia de interação, posto que na concepção interacional (dialógica) da arte, na qual os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, o fazer artístico passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e são construídos.
No que se refere à cultura contemporânea e suas significações, sobretudo, no plano da linguagem e expressão artística, Bourdieu (1999) nos fala a respeito das trocas simbólicas, que na prática comunicativa realizada na/pela amostra em análise as linguagens artísticas se justapuseram construindo sentidos diversificados a partir dos signos propostos em cada obra de arte ali apresentada.
Bernstein (1971) ressalta a existência de diferentes tipos de linguagens determinados pelo social. De acordo essa perspectiva teórica, é a estrutura social que determina os comportamentos lingüísticos, políticos, ideológicos e artísticos do envolvidos no processo de criação, sejam eles individuais ou coletivos.
Nesse sentido, a vida em sociedade supõe um problema de intercâmbio e comunicação que se realiza fundamentalmente pela elocução, e o meio mais comum de que dispõe os artistas para tal são as interfaces presentes em suas obras e fazer artísticos. Isso configura a compreensão de que é possível verificar na ação dialógica, traços de interação na qual as linguagens da arte no contexto da exposição Um olhar sobre Irecê editaram* o ambiente, como elas também editaram o leitor, como as pessoas foram sendo sensibilizadas pela leitura dos trabalhos mostrados, numa espécie de metonímia, isto é, naquela exposição imagens, textos e esculturas sensibilizaram tanto os criadores quanto os leitores, posto que todos pudessem perceber suas indiferenças em relação ao dia-a-dia no ambiente urbano.
Existe, é certo, múltiplas questões à compreensão do fazer artístico no espaço educativo e social, de modo que ao contemplarmos uma pintura, uma montagem fotográfica, uma escultura na perspectiva heideggereana de análise da idéia que se organiza em torno da obra de arte contemporânea “emerge na fratura entre a Terra e o Mundo, ou entre o que prefiro traduzir como a ausência de sentido na materialidade do corpo e da natureza e a doação de sentido na história social.” (JAMESON, 2004, p. 34).
Para Santella (2001) no plano do visual, a arte contemporânea é constituída por elementos de linguagens híbridas e, portanto, “a apresentação das modalidades da linguagem visual deve também ser antecedida por algumas reflexões preliminares, entre as quais se destaca o estatuto de linguagem da visualidade.”(SANTAELLA, 2001, p. 185).
As concepções de linguagem proposta pela semioticista brasileira ao tratar os signos como sendo elementos promotores da representação visual nos reporta às produções artísticas feitas em Um olhar sobre Irecê, visto que “as formas visuais que são produzidas pelo ser humano e, por isso mesmo, evidentemente organizada como linguagem. (...) representação tem sido um conceito-chave da semiótica e, a partir de meados do século XX, passou também a ocupar o terreno da ciência cognitiva.”(SANTAELLA, 2001, p. 185).
Nessa concepção de linguagem é interativa, e por meio do pensamento central de Bakhtin (2001) sobre o método dialógico por ele desenvolvido pode-se compreender o papel da linguagem da arte nos espaços socialmente construídos, posto que para o pensador russo a ação dialógica da linguagem permite o entendimento de que “um objeto específico ao sair da especificidade fechada para interagir com um universo muito mais amplo de vozes, valores e conceitos, faz-se na ação dialógica da linguagem (Grifo meu)” (Bezerra, 2001, p. xi.).
Dessa maneira, o encontro de linguagens artísticas propostas pela Um olhar sobre Irecê se visto pelo espírito dialético no conduz à inferência de que há uma marcação ideológica de que o comportamento do homem contemporâneo diante de expressões artísticas esta condicionado ao social e, com isso, relaciona-se com ele a partir da estrutura de classe da sociedade a que pertence. “A ênfase ideológica abrange todos os campos do pensamento, a pertença a uma classe como fator determinante das formas de pensar e agir torna-se axioma, e tudo é definido em função da classe a que o individuo está ligado”. (BEZERRA, 2001, p. xi).
Passa-se, desse modo, ao conceito de ideologia proposto por Vygostki, quando da construção de sua psicologia de base marxista, isto é, nesse sentido, ideologia é tida como estímulos sociais estabelecidos no processo de desenvolvimento histórico e consolidados em formas de normas jurídicas, regras morais, gostos estéticos, etc. Assim segue-se o pensamento de Bakhtin (2000) de todo signo é ideológico e, portanto, ver-se nele vários elementos de caráter socialmente construídos. Na poderia ser diferente a noção de signo apresentado na exposição em estudos.
Considerações (quase) finais
À luz dessa questão, pensa-se que as linguagens propostas pela a mostra Um olhar sobre Irecê foi perpassada por vários fenômenos sociais, políticos e ideológicos, com os quais cada um dos artistas se relacionou dialeticamente com o signo Irecê, como sendo este parte de sua constituição enquanto sujeito e, portanto foram colocadas em evidências as interfaces (fotos, poemas, escultura, etc) por meio das quais se construiu representação individual e coletiva sobre a cidade.
Com efeito, ação dialógica ocorreu de maneira significativa, entretanto viu-se que as temáticas não dialogaram entre si, tampouco numa perspectiva crítica. Poder-se-ia considerar certo distanciamento dos objetos e linguagens artísticas se visto sob o aspecto teórico-metodológico, porém isso não é foco de dessa discussão, ficando apenas como o registro de um ponto de vista no qual se questiona: se sabe fazer porque não se sabe explicar o ato de fazer?
Referências
BAKHTIN, M. O Freudismo. São Paulo: Perspectiva, 2001.
CASTORINA, José A. Dialética e psicologia do desenvolvimento: o pensamento de Piaget e Vygotsky. (Trad. Fátima Murad) Porto Alegre: artmed, 2008.
CONNOR, Steven.Cultura Pós-moderna:introdução às teorias do contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Loyola, 1993.
DOMINGUES, Diana. Arte e vida no século XXI: tecnologia, cinecia e criatividade. São Paulo: Editora Unesp, 2003.
HUTCHEON, Linda. Poética do Pós-modernismo: História, teoria, ficção. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
JAMESON, F. Pós-modernidade: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2004.
______, Modernidade singular: ensaio sobre a ontologia do presente. Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 2005.
KERCKHOVE, Derrick de. A arquitetura da inteligência: interface do corpo, da mente e do mundo. In. DOMINGUES, Diana. Arte e vida no século XXI: tecnologia, ciência e criatividade. São Paulo: Editora Unesp, 2003, p.15.
SANTAELLA, Lúcia. Matrizes da linguagem e pensamento: Sonora, viusal, verbal. São Paulo: Iluminuras, 2001.
*Mestrando do Programa de Pós – Graduação Mestrado em Educação e Contemporaneidade, da Universidade do Estado da Bahia – Campus I – Salvador – BA, Professor de Linguagens e Educação, Literatura e Outras Artes e Significação e Contexto, do DCHT – Campus XVI – UNEB – Irecê – BA.
* Este termo é usado por apropriação – derivativa à de Derrick de Kerckhove (2003) em que o autor o emprega no sentido de construção do fato pela mídia.
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